segunda-feira, 25 de abril de 2011

de J. Martines Carrasco




APÓS A LEITURA DOS VERSOS, VEJA MAIS EM

 DA TERCEIRA EDIÇÃO:


1 - DUENDE DA VERDADE

Um fantástico mundo em estesia
Refletindo
contornos deformados...
Lindo! Embora obeso e oco pretendia
Transcender levitando com os fados.

Tanta luz! Quanta paz na fantasia
Que assaz produz olhares encantados
Tão fitos nesse mundo que extasia
A voejar em efêmeros bailados.

Porém – incrível! – vive nesse mundo
Um Duende da Verdade, fremebundo
Mostrando apenas o clarão do archote.

E, hostil, dardeja sempre o mito... Ploft!
Oh, o mundo explodiu! Célere ilusão!
— Era só uma bolha de sabão —

10-12-91

2 - SONHEI QUE EU ERA DEUS
“Fundem-se em mim o instante e a eternidade!
Se propago o Universo e o nume canta
A Explosão, visto luminosa manta
E vago pelos céus que a noite invade.

Magno poder! Ó culto à liberdade!
Mas foi-me, a solidão, imensa e tanta
Que me gerou do amor a idéia santa
Em ter alguém de quem sentir saudade.

Com amor criei o Homem...” — (ah, que susto!
Acordei) — ó blasfêmia, quem me dera!
Sonhei que eu era Deus, sensato e justo,

Diverso do Homem frágil, quase fera,
Que almeja ser divino quanto augusto
Nas mentiras que instala a grave custo.
05-02-92
 


3 -     LAVRADOR 


                             -  Trinta e quatro
                                                                  horas contínuas
-
De manhã mais à tarde segue lento
Lavrando a terra, em Deus buscando alento
E o amor que ao lado supre o pequenino.
– Joga o jogo – na terra está o cassino...

Já noite... madrugada, esfria o vento
Tremendo, exausto, ao pária sonolento
Só resta agora o instinto masculino.
– Ruge o trator – sonhando está o menino...

Raia o Sol. Ri do pó naqueles rostos
De almas gêmeas que unidos vão-se postos
Na solidão ungidos pela graça.

Nutrindo o filho o pai o beija, abraça...
Tão morninho, meiguice tão sincera!
Dor... segue – a Natureza não espera.

17-05-92
4 - ETERNO

Sem mais ocupações
O trasgo prazenteiro
Tornou-se o bom arqueiro
De tantos corações.

Nem bem chegada a hora
Bem seja como for
O elã frugal do amor
Flechado e rindo chora.

No amor – grata ventura –
Com setas do destino
O arqueiro repentino
Nos cobre de ternura.

Vibrou ao ter nascido
Sorriu porque nasceu
Vivendo o mundo seu
Nos rege o bom Cupido!
26-08-92
 


5 - OUTRO OLHAR

Com seus delírios freqüentes
Vagando fora de alinho
Partidas são as correntes
Que o tinham sóbrio e sozinho.

“Em pé, do altar do horizonte
– Dizia o louco a ninguém –
Espargindo água de fronte
Enxergo a noiva que vem.

De seus tão longos cabelos
Cai branco véu onde estão
Fetos do céu, a benzê-los:
O vento, a chispa, o trovão!”

"Não creias – diz mais um louco –
Sou lógico; ele, um esteta
Sonhando a noiva num rouco
Troar que ao lívido afeta.

Mais do que enleva me goiva
Com risos tétricos seus.
Vês no horizonte uma noiva?
Lá jorra o sêmen de Deus.

Sêmen que tanto extasia
A serra, o campo, arrozais
Ao dar-lhes vida e magia
E encanto aos ventres gerais!”

O esteta e o lógico fremem
Com quem outro olhar coadjuva,
Parvo: nem noiva, nem sêmen...
Vê nada mais do que chuva!

15-2-93




6 -        PLAZA DE TOROS
              
Dobrando o leve orgulho sob os joelhos
Orava. E orando à mãe Virgem Morena
O astro ardia entre bênçãos e conselhos.
Flores, mulheres lindas... Tarde plena

De luz nos trajes, entre umbrais vermelhos
Empina o garbo da paixão em cena.
Soam clarins! Correndo, dos cortelhos
irrompe o touro - Olééé !- e assombra a arena!

Em desabrida fúria cega e tensa
A cada passe ofega, ronda a morte
Embora aos pés da vibração mais forte

Arqueje após a fera que não pensa.
O aplauso firma a capa e o astro ganha
A alma e o esplendor de quase toda Espanha...

15-2-93



7 - SABIÁS PARNASIANOS ?

Canto, cantam, cantamos todos nós
Porém jamais em tempo algum terá
Alguém o mesmo nume a mesma voz
Zelo ao trino e a paixão do sabiá.

Imaginai as matas num atroz
Num fúnebre silêncio – o mais quiçá
Se apenas esvoaçantes tantas mós
Chilrassem estridentes... e por lá

Tudo, pois, fosse um tédio entre virtudes!
Mas, nos instintos sábia, a Natureza
Alçou aos nivelados cantos rudes

O excelso estilo puro, a musa acesa
Em musical harmônico e campestre
Na forma parnasiana... e tom de mestre!

Às margens do Rio Paranapanema, SP, em 10-09-92


8 - A TI, POESIA                                
                        À poetisa 
                                             Irene Santini      
                              Prefeitura de Praia Grande - SP

Minha alma
se acalma
na Musa
reclusa
que tenho
na vida.

És lenho
querida
és lúmen
do amor
és nuvem
da cor
de riso
preciso
és soro
de choro
ao jeito
de Deus.

Afeito
com teus
instantes
de afago
amantes
eu trago
nos versos
dispersos
os sonhos
risonhos
que tenho
na vida.

25-09-92

9 - AO IDEAL MEDÍOCRE

O mais potente, o impulso mais ativo
para os seletos planos das alturas...
Ó tu que te comprazes no motivo
das ilusões – e aí, vago, o procuras –

Ideal... compreende! o vôo altivo
rumo a glória alça de injunções mais puras.
Ao sucesso não basta o imperativo
apenas do querer se as imposturas

do braço desonesto ou dúbio tolhem
o cérebro nos templos do fazer.
Seja antera tua alma, farto pólen

teu stress, na exímia gesta com prazer
fertilizando estrelas onde a glória
não fecunda o medíocre na História.
09-10-92


10 - BEIJOS ÀS ORQUÍDEAS

Inspirado por desejos
tento a busca no extrato.
Nada! Gigantesca maquiagem!
Alguns milhões de flores
no orquidário colossal
sombreando o mar de gesso
na grandeza que o resumem.

Onde está o que procuro?
(Silêncio... risos...)
Agora sim, agora vejo:

Toda seiva do labor,
às orquídeas – pelas cortes –
vai-se em beijos pelas flores.
17-11-92


11 - EPIDEMIA

Quase sempre, quase sempre...
Os que adentram o sifão das pretensões
quase sempre o fazem
pela trilha dos espirros.

Alma acalorada!
A febre... a febre
que aquece e contagia
em deslumbrada virulência.
Espirros... quantos!

Ora alguns domam o contágio...
– vírus, anticorpus –
num convívio eterno
entre senso e imunidade.
No torvelinho dos espectros
muitos assustados da vacina
compõem-se à epidemia.
E sob alegações assim vagam pelo tempo:
na volúpia dos espirros.

Espirros! quantos... tantos.
Sem a tosse, só espirros.
E o mundo... ah, o quarto mundo!
Abundante nos tributos
na estratégia da barbárie
no esperma, nos ovários
nos tufões de perdigotos.

A–a–a–a–a– tchim...
(empreste-me seu lenço!)
17-11-92

12 - TRISTEZA DO SAPO

– "No princípio era o caos, só poeira e luz...
(Sorrindo, orava o sapo aos semelhantes)
Mas clama um Dom: A treva que produz
O lucilar de estrelas tão distantes

Aqui se alterne ao Sol de luz mais clara.
Criem-se a noite – escura paz – e os lagos
Onde o grasnante pífaro da Iara
Tanja ao silêncio em seus martírios vagos.

Demais, nos brejos turvos e da lama
Harmônicos anfíbios surjam guapos
À minha semelhança pois quem ama
Não pensa o mundo sem meus lindos sapos.

Por uns tempos os charcos sejam Éden!
E vós que pela luz sois fascinados
(Condena, o Dom, dois sapos ao que pedem)
transformai-vos em seres complicados.

Resumidos a bípedes daninhos
Proliferai, rompei a teia presa
Do equilíbrio; com lixo e vossos ninhos
Devastai terras, céus, a Natureza...

Enfim vos ronde as chagas da tolice.” —
Sentindo o caos de volta em quase tudo
O sapo ante a verdade do que disse
Sentado e triste fez-se eterno mudo.
15-2-93

13 -            MADAME

Por um vácuo enxergaram-te a mais bela
E generosa em todo teu perfil.
De exímio ventre plácido e gentil
por teus filhos o mundo te revela.

Madame dos confins – lembrando aquela
Que tantas esperanças quantas mil
Honras, vidas, em braço juvenil
Acalentou – vê hoje quem me anela !

Não pejes ainda por perdida. Encanta
Tanto este anseio em ver-te imaculada
Num átrio de virtudes, singular!

Alguns filhos espúrios – mesmo Santa –
Sonham-te empedernida rumo ao nada:
Um colo de mamutes a sonhar.
15/2/93

14 - SE ÉS TRISTE, RI

Crê, vale a pena, frente a um riso escorre
E esvai-se em luz o tédio que anuvia.
Se o riso acende a vida e em corre-corre
Põe-se
a névoa ante as chispas da ousadia

Ousa quanto o ébrio a rir do próprio porre:
(Sóbrio e) rindo inspira a alma, se vazia.
O riso em cuja estrela o estro ocorre
Cintila as alvas chamas da alegria.

Ri, ri sempre! Mas... pensa! porque rindo
Como ri o imprudente, um riso ingrato,
perverso, sem cuidados de antemão

Talvez torne acintoso o que era lindo.
A hiena frente a um vulto ao rés do mato
Por imprudência riu – era um leão!
maio- 1993

15 - SOCIOLÓGICA
                                              À Associação Paulista de Imprensa
                                                                    pelo seu 60° aniversário
À mínima agressão, alarma-se o animal;
Explode seu nervino e rápido reflexo
Afronta, luta ou sai... para a vida é afinal
O instinto que lhe vai racionalmente anexo.

Mas... corpos de nações – sensórios de jornal!
Vós, Gutemberg, Marconi e Carey, trino o amplexo
Com que engenhastes una a tribo universal
Por científico até Zeus se enciumou perplexo

Consciente do anervismo hostil à humanidade.
Heróis, repouso... a paz ! Se o gênio ubíquo invade
O mundo em vero abraço... afortunada Imprensa!

Que aos corpos sociais trame e urda nervura extensa,
Com tantos e sutis neurônios cerebrais:
Os jornalistas – senso alerta, por jornais.
21-6-92



16 -         NUVENS


Nem serão nuvens o que vês, amigo!
São preces brancas por encanto aos ares
Matizes vários, desiguais, sem pares
Nos céus vagantes – no que olhando os sigo.

De ambígua essência, em divinal espigo
Dão luzes contra o mal. Se duvidares
Faze da alma o mais puro dos altares
Vem orar, de joelhos vem contigo.

Mentaliza o madeiro vertical.
Do mais profundo dos teus versos, ora.
Pois bem, agora – e espero que te agrade –

Pela fé, logo abaixo do local
De cruzamento da travessa à tora
Verás um Cirro alando à eternidade.

9-05-93 



17 - PRIMAVERAS, DA QUINTA À SÉTIMA

Alado cavaleiro, herói austero
Expondo à boca brados e estampidos
Renhi combates ríspidos, temidos
E tal furor nas guerras pus que a Nero

Lampião, Diego Corrientes, Pingüim, hunos
Reis maus, romanos da Mandchúria, a tantos
Grilhões vermelhos, bárbaros em prantos;
A rataria, aos corros importunos;

Incluo as hordas da tormenta moura –
A todos eu venci, venci Antipa
Com minha espada mágica de ripa
Em meu cavalo: um cabo de vassoura.

Infernal, era tudo planejado!
O estandarte era a fita de Mirella
Meu escudo, uma tampa de panela;
Por elmo, um saco de papel furado.

Calções rotos... Que mais indumentárias?
Com tanto – aos parasitas da utopia
Mordaças e terror – os sacudia
Livrando multidões imaginárias.

II

O que ouvia confuso após a janta
De uma complexa História dos adultos
De manhã, fatos vistos como estultos
Reparava-os em minha guerra santa.

Na idéia, com meus bravos cavalgava
Em áurea pompa à frente de outros mais.
Negro, o Caveira, a trote em diagonais
Voava
mais que a presta mamangava.

E digo a ti que aos deuses me consagras:
Ante o assombro do mundo nas vitórias
Só as patas do cavalo... que ilusórias
Triste eu as via em minhas pernas magras.

O estrago das batalhas ainda pode
Ser notado nos campos do Ipatinga:
Neuróticos de guerra ingerem pinga
Sambando em terapêutico pagode.

III

Nem tudo era refregas! Mais ameno
Em folguedos... pescando rio a fora...
Por que morno era o rio pela aurora
Se era fria toda a água do sereno?

Com rural inocência controversa
Víamos entre os seres da Natura
Sem distorções no ofício da estrutura
Só macho dar-se à fêmea, e vice-versa.

Ah... quando atrás das moitas, de mansinho
Cochichavam sorrindo a mim faceiras
Num descortino içavam as bandeiras...
Um fogo! as meninotas do vizinho.

Sob um norte, sem traumas como o quer
- Num halo sideral por três instantes -
A libido envolvia os sóis infantes
Demarcando: para o homem, a mulher.

Nas doces travessuras engendradas...
O gesto! Um desafio... Que emoção!
(Se o acerto vinha em paz; mas quando não...
Que dança! numa chuva de palmadas.)

IV

Na saudade resume-se o passado
Do menino de riso florescente
Que amava o mundo, a vida e tão contente
Não via seu futuro atraiçoado.

Ah... vida, escorço... tênue circunstância!
Autônoma, energética fagulha
Que ascende, vivencia... ao fim mergulha
Volvida à fase angélica da infância.

Ó dias fantasiados na lembrança...
Que os recordo na calma em que respiro.
Na herança final do último suspiro
Por-se-ão nus sem as vestes de criança.
18-02-94

18 -    ENGANO

Traz pena, o engano afeta!
Mas do engano, a ninguém
Afeta tanto a pena
Como afeta ao que tem
Predicados de antena
E sentidos de poeta.


19 -        MESCLADO

Fê-lo. E para fazê-lo bem, bem antes
Suprindo-se da lógica do nada
Deus recitou as Ciências coadjuvantes
Formulando a matéria atomizada.

Só após – por mentores delirantes –
Em concha e viva a Terra foi criada
No dorso de um quarteto de elefantes
Ao balanço das trombas da manada.

Mescladas de verdades e de mitos
Ainda vigem histórias infantis
Matrizes de fanáticos restritos

Ao que lêem num círculo de giz.
Enquanto aja um fanático na Terra
O mito será causa e deus da guerra.
23-10-94

20 -      PANTANEIRO

Quase morna... suave, tropical
Sobre alentos, ao largo da campina
Em meu chapéu, no cheiro do bagual
Em tudo cai... e cai a chuva fina.

Há três meses, partimos do Ninhal.
Ao berrante, hoje a marcha é novembrina.
A peonada crispando o lamaçal
Chega e entrega a boiada em Cristalina.

Na
volta, o coração em sonhos plana
Com volúpia entre beijos da goiana...
Esgrima e forte à dama se destaca.

Ao Pantanal, com cheiro de jasmim
Trago ao patrão dinheiro na guaiaca;
Na garupa a goiana para mim.
Pantanal, MS, em 25-05-94

21 - QUADRINHAS
Caloteiro e vira-lata
Em si mesmo se consome
Todo Estado burocrata
Atrofia e gera a fome

Nas mãos de um Estado doente
– Diz este verso simplório –
Tributo vai de presente
Ou vira supositório

Quem às tripas nos limita
Com o trisso de morcego
Vem da tribo troglodita
A empurrar cavalo grego

Prega: “Trabalho...” – e vadia.
“Gerem filhos” – fica em peia.
Gerada
a miséria o guia
Põe culpa na espádua alheia

Festa rural, pôr-de-sol...
Prendas, dão mais de noventa.
– Que ofertas franco espanhol?
– Boldo e melado, ou pimenta!

Talvez por praga ou feitiço
Poetas percebem trapaças
Amam o mundo e por isso
Cantam virtudes escassas

Ó vinho que no ar suspendo
Luzindo entre rimas pobres
Desce... ó fogo reverendo,
E à taça de mim não sobres!
1994 

22 -  TAÇA

Delicadamente nossas mãos...
Instintivas carícias...
Eu... ah!... naqueles instantes...
murmúrios, almas em fusão
corações entrelaçados.

Lábios deslizantes entre lábios...
corpos em tão sonhadas carícias...
Trêmula na voz, liberta
entoaste o poema de cândidos gemidos.
Teu corpo por bandeja.
O licor... a púrpura cereja,
os sorvi em tua radiosa taça.

Inebriado no calor...
Nos trejeitos ondulantes da oferta,
senti em minha fronte dançarina
as sedosas plumas do teu vôo.

Alma... Divina!

Rasantes libertários...
Singrando tuas ondas, meu Amor,
exilei meus anos de solidão.
Ávida, em tua suprema carícia...
sob teu absoluto domínio
murmurando adornei teu rosto
com minhas mornas pétalas de lírio...
Instantes mais...
na culminância da junção
com ternura te venerei –
divinamente saciada, lânguida
adormecida...

E a cor lilás do abajur
contemplei-a luzindo
na derradeira pétala...
pousada nos teus lábios.
06-4-95

23 - DISTÂNCIA
Quando sob a luz desta paixão,
em pensamento
a sombra da saudade tangencia
os pés que estou beijando ...
– ó diva dos meus enlevos! –
em minha solidão
meu mundo a tua imagem. Devaneios!

Vem... vem luz que me ilumina!

Venham chamas sedutoras
da fonte dos teus mistérios.
Síntese dos meus sonhos...
– Amiga, tua bondade, a minha paz.
– Vamp, insinuas me enlouqueces
– Pira, ritual dos meus desejos
– cruz e mártir, me suportas!

Santa a verei em meu final...

Escarpas perfumes
almas inseparáveis...
Além, um dia, se quiseres
na singularidade de um cometa
juntinhos estaremos
por toda eternidade...
Rio Guaporé-Mamoré - agosto -2002


24 -           O BULE

Aqui no cemitério, entre jazigos
Penso neste dragão sem calendário
Que voraz desde os tempos mais antigos
Bebe a todos no bule funerário.

Um – dentre os peles secas, sem umbigos –
Na lápide se faz retardatário
Enquanto ossos graxos de mendigos
Lá vão regurgitados contra o ossário.

Levanto o olhar. Na encosta, um vilarejo...
No arranjo físico dos montes vejo
O Sol da Artista enquanto pelo inverso

Sob o encanto das Ciências do Universo
– Ainda vivo, os meus pés pisando esterco –
Santos céus!... penso em dogmas e me perco.
Campina Grande do Sul, PR, em 15-07-1995

25 -    A DEUS, NA DECOLAGEM

Com pressa calibrada, sobre pernas lentas
dotado de braços amorosos...
eis o ser humano – teu engenho –
em tantos níveis de consciência
no tempo a decifrar-te as barbas de princípios.

Singrando a imensidão de fartos seios
com asas de pano, ou de metal
homens e mulheres, andarilhos de entrecéus
por tua graça nos fazemos tís sobre horizontes.

Cônscio, me elevo em certo rumo
para mais esta jornada.
Às águias, aos condores, deixo as ínfimas alturas
e, na Terra, o equilíbrio da Vida
à sensatez dos homens sábios.

Suplico nossos vôos no amparo dos teus dedos
sempre em rotas cravadas com justeza.
Rogo inspiração num céu azul sem nevoeiros
e turbulência distanciada da calma trajetória.
 

Acrescenta-nos presteza nos momentos de apreensão;
um suave pouso... mil abraços dos amigos
e retorno ao aconchego do meu lar.
15-08-1995


26 - MEU SÃO PURO, AGRADEÇO ESTE APARTE
                                   Aos patrulheiros do sexo
Não te constranja o saltitar das britas
Nem o calor precoce das mulheres.
Por tonto aclaro idéias esquisitas
Por fraco as rimas são os meus halteres.

Sou grato à vez e ao ar com que me fitas
Neste aparte conciso como o queres:
– Nossas ninfas voltaicas e bonitas
Precoces por mestiças, nos ampères

E volts zumbem... cobrindo-te de espanto!
Sofres! Mas quem estanca a Natureza?
Não há geleira nem na voz recurso

Capaz de resfriar vulcões enquanto
À raça ardente pródiga em destreza
Contrário
rola estéril teu discurso.
02-05-1996



27 - ETERNO ETERNO A uns, vivo; a outros, nem morto.
Bem... o Eterno não nasceu.
Pensa! Nunca foi gerado.
Maestro sem passado sem futuro
com ciências rege as várias dimensões
espargindo multifaces da batuta
que no tempo dão sonhos que se findam.

Só é vivo o que um dia herdou a vida
enquanto pelo tempo for sonhado.

Instrui-te... eleva o sonho. O sonho é a vida...
À margem do Rio Miranda, MS, maio-1996

28 - RECAÍDA
 
                                                   Ao fabuloso humorista, 
                                                       JORGE LOREDO,   
                                                criador de o “Zé Bonitinho”    
                                   - Que seria das mulheres se eu não existisse
Fino, belo, um adônis primoroso...
Ó céus! ó mocidade que me dera
Tanta paixão por mim, ó primavera
Que passei num efúgio em autogozo.

Mas...
falsas ilusões! Hoje recoso
O que de mim pensei – mas que eu não era.
Nesta velhice, esplêndida cratera
Aos cem anos sou humilde e cauteloso.

Assim agora ao ver-me mais que o mesmo
Sem presunção sem mais ego posto a esmo
Reconheço que o espelho diz-me o eleito

Apenas da elegância, simplesmente
Mui gostoso, soberbo, inteligente...
Lindo lindo! Em compensação, perfeito.
11/05/96

29 - ILUSÕES

Sombras, selvas, mares, cimos, flores...
desaparecem nas trevas.
Astros, estrelas, se dissolvem na claridade.

Ah... tantas ilusões! Tantas magias
no canudo das aparências.
Mesmo esta brisa, o que penso...
o Universo... nada nada existe
exceto o que ris e ademais
o que te enganem existir.
No Rio Ribeira de Iguape, SP, março 2000

30 -          A BESTA 



Praia deserta. Nos pincéis de junho
Invernais, todas brancas e aos milhares
Como sopradas por imenso palpo
As crespas nuvens dão ao céu o cunho
De quem plagia as vastidões polares.
O vento frio que me eriça o escalpo
Montando as ondas traz do fim dos mares
Tantas idéias que no crânio apalpo.

Apalpo-as na ilusão de carinhosamente
Juntar-lhes o perfume as pétalas e tintas
Num pensamento em forma estrita de uma flor.
Mas definha-se a flor nas tristezas da mente
E retornam ao vento as idéias distintas.
Presa deste vazio, em meu crânio voador
Na cinza de um confete, erguendo-me das cintas
Planando sobrevôo a estátua “O Pensador”

Que faz da mente o próprio calabouço
E por Rodin mantém juízo eterno.
Grito: – Que pensas? dize-o, alma abstraída!
– Penso no Apocalipse... – entre ecos ouço-o –
Penso na alegoria e me consterno.
Saiba, Voante, a tal Besta é o terricida
Com seu dogma ecológico sem perno
Que impondo encher a Terra afronta a Vida.
Rio Araguaia, Ilha do Bananal – TO, em 12-10-1998

31 - AOS PILOTOS DE ACROBACIA AÉREA
                                      - Saudoso piloto,  
                                                                           Alberto Bertelli
                                                                            pioneiro no Brasil -

Na rampa altiva das miragens densas...
Sonhos, céus... vós! Evoluções nas bridas
Giz de fumaça, as multidões e crenças
Palmas a vós, nos ares nunca ouvidas.

Se ontem símios nos galhos por sentenças
Do arcanjo Darwin... hoje vossas vidas
– Por Dumont – voam em visões suspensas
Tão mais alto que as árvores traídas.

No amplo espetáculo aéreo das virtudes
Levais ao ar brio e fúlgida perícia
Expondo-os numa pérgula propícia

Em rasantes das vossas asas rudes
Que deixam ao chão ufas de quem sonha
E aos cumes, águas tristes de vergonha.
12-09-97

32 -         NO RIO JUQUIÁ
                                      Acendo um isqueiro branco. 

                                                                               Na oscilação da chama 
                                                                              vejo a dança do teu beijo

Era domingo. O Sol rondava o horizonte.
Eu vinha só, sem tristeza
sem motivos de alegria...
vinha distraído filtrando sentimentos
ouvindo reclamos do próprio coração.

Andava pelas trilhas às margens do rio
espelhado entre curvas, rendado nos baixios.
Súbito uma brisa de emoção, um delírio:
o céu desce sobre as águas...
ou foi que o rio e arredores
levitaram rumo ao Éden?
Vacila o pensamento...

Das águas surge a Iara que se fez dobre
incrivelmente lindas ao encontro do meu ser.
Atônito contemplo as divindades
– Dínamos das águas, deusas de risos meigos
cabelos em mansas vagas
peles ouradas no cadinho da Terra...
Radiantes esplendores, corpos esculturais
timbres deste País!
Ah, florestas.... folhagens dos pacobais...
rol de magias, encantadoras visões...
luz, cores, silvos, águas, ecos de pujança... Brasil !

Lentamente, desce a noite. Calor...
esvoaça a cálida garoa.
Junto às deusas, alguns passos sem destino.
Paramos. Não distante a rodovia.

A mais indiferente Iara à cópia sussurrava
sonegando-me o olhar.
Raramente volvia a face em minha direção.
Minutos... e cessa seu desprezo provocante.
Inesperadamente se aproxima e colhe minhas mãos.
Retribuo acariciando seus sedosos braços.
Por instantes ofega a deusa
sobrepuja seu instinto feminino
e prostra a encenação de sua vaidade...

Transfigurada aquela face encantadora
toma olheiras de mulher em êxtase
enquanto sorvo seu hálito suave
e o silvestre aroma de sua tez dourada.

Por instantes corresponde aos meus carinhos...
Famintos, invadem-me seus mornos lábios – favos de amor!
Cheira-me o tórax de macho...
Toma-me o constrangimento: minhas vestes...
meu suor de quem anda pelas matas...

Ainda acometido sob estro do torpor amante
na ausência de luz, meus lábios ardentes de paixão
pareciam iluminar a fortuita imagem-deusa
– e a deusa refulgir na escuridão.
Aquela pré-aurora será um cometa de lembranças,
eternamente vagando no entorno do meu ser.

Vivenciando o êxtase da mais sublime fantasia
eu pressentia o fim... Tristemente o pressentia.
Tudo não passava de magia em horas aprazadas pelo rio.
Meu coração revivido na pira das carícias
em transcendental arroubo dos sentimentos
enaltecia o mundo, o amor, a existência
declamando indefiníveis sensações.
Preocupa-me a aurora, escoam-se os minutos...
Apreensão!
É que Iaras, por desígnios, ocultam-se do amanhecer.
Vencidos os instantes
a deusa diz dos meus cabelos grisalhos...
Abandona meus braços... nem me disse adeus...
Ao fundir-se à cópia, rumo às águas,

adentrou o nevoeiro despertando-me
na mazela dos devaneios.

Abandonado em sua inesperada paixão,
meu coração inconformado,
solitário no paço do silêncio...
meu coração ficou em prantos
ao ver a deusa dissipar-se
no denso véu da madrugada.

Incontida, abraça-me esta saudade.
Entristecem-se meus olhos
meu coração segue tão só
no silêncio dos sem par.
E num ato de consolo
a esses minto:
não penem tanto
um dia tornarei ao rio...
Talvez a Iara volte... e então
à orla das águas
voltaremos a sonhar...
Às margtens do Rio Juquiá, SP, 04 dezembro 1996

 
33 - CORAÇÃO SELVAGEM (conto)
Foi assim. Risonha menina das matas, princesa, filha de cacique, adorava ouvir historinhas de encanto. Linda, meiga, sensível, desde pequena sua boa índole trazia atenção nos olhos e, na alma... o amor a sua tribo.
Passaram-se os anos. Chegado o tempo, a bela jovem apaixonou-se por um príncipe de reino diferente. Manteve os sentimentos em segredo.
Mas o amado correspondia-lhe com desprezo a conselho do pai, um velho rei inconseqüente, por sua enorme prole predadora.
Anos se passaram. Mesmo desprezada, o querer da ninfa não esmorecia.
Com sua ingênua doçura selvagem, a princesa era só esperança de, um dia, conquistar o coração do príncipe, pelas virtudes do amor perseverante.
A cada discreta atenção da apaixonada, o eleito não era mais que indiferença.
A paixão... por secreta, por reclusa no peito... 
o amor lhe gritava ainda mais dorido, no silêncio. Somente outros corações desprezados poderiam entender o suplício de seus sentimentos.
Notando a contínua tristeza, investigando – inclusive por denúncia covarde do próprio príncipe presunçoso – os guerreiros da tribo descobriram a oculta razão da princesa desolada.
Tomados de receio, pelos riscos que esse amor representava à própria aldeia, a tribo inteira passou a infamá-la, desprezando-a nas grotas da incompreensão.
Como não lhe bastasse o ingrato gesto do amado, agora, via-se desconsiderada, inclusive, por seu próprio povo, a quem sempre fora carinhosa.
A tristeza recrudescia.
Repúdio, solidão, coração escravo... angústia ! Tudo contraposto aos seus mais singelos anseios de mulher.
O sofrimento se lhe foi tornando imenso... insuportável...
Tão insuportável que, no alto da colina, em um anoitecer, de tanta tristeza, dor e mágoa... de tanta saudade... o frágil coração da princesa das selvas desprendeu-se do peito... e, levitando, foi subindo, subindo... subindo pelos ares... esfriando, esfriando... de tão frio, transformou-se em dourada pedra nua
para – láaa das altuuuras – consolar os corações perdidos de amor.
Foi assim... que surgiu a Lua!
Lua cheia, numa pequenina ilha do Rio das Mortes – MT – outubro - 1998


34 -                LAPSO
Meteu-se um Mago em faina ruralista:
das mangas longas extraiu a terra
a flora, a fauna e por fiel da lista
do chapéu tira o cão que agrada e erra.

Consumada a magia, tudo bem.
A princípio, da fórmula engendrada
feliz o Mago horticultor. Porém
por lapso surpreendeu-o a cachorrada.

Que valeram ao Horticultor as danças
o agrado o vai-e-vem em rodopios
caudas alegres as orelhas mansas

se esses seus carinhosos cães festeiros
– na destreza prolífera, bravios –
lhe destroçaram todos os canteiros?
Às margens do Rio Madeira -RO – setembro - 2002

35 -       RODEIO

No rodeio da existência
com bombachas de alegria
cavalgou a vida.
Riu, foi quebrado...
Entre coices e guampas
o que pôde deu de si...
Não agradou !

Sem nunca ter vendido sua consciência
um dia, derrubado na arena do seu tempo
partiu suando, de chispas apagadas
rumo ao brete mineral.
agosto – 2002

36 -       ÀS BOCAS GENTIS


Mulheres? Temo-las! que além das ancas
Lindas paulistas - expressões morenas
Das índias, negras, orientais e brancas -
Luzem inteligência nas antenas.


A nós paulistas vejam-nos a saga:
Ou reais burras nos fizeram ou
Esforço ativo nunca nos faltou
Enquanto outros esperam quem o traga.


Vêem-nos os melhores... coisa e tal.
Bobagem! Mas se até o carnaval
Este nosso o fizermos paladino


A linha das bonanças se desloca.
Que seria do orgulho nordestino
E da maior aparição carioca?
07 -03- 2000

37 -            PALPITE

Dois sorrisos, apenas dois. O puro...
Insuspeito – e o arreganho do impostor.
Se o franco é dom, o falso esbulha por
Gestado no clamor de um reino escuro.

Amores... quantos serão? Não mais que um!
Raízes no passado, no presente
Além de gozo é jóia proveniente
Do lapidar estimas em comum.

Quanto
aos falsos amores detectai-os
Na lábia nos discursos nos ensaios
Dos que fingem olhares puritanos.

Oxalá more um bem nesse palpite. E
Se aceito por alguém talvez lhe evite
Doridas parições de desenganos.

25-05-2001



38 -    DOS MORBÍPAROS
Chantagem, o calote, estelionato...
Nos cofres públicos a garra suja;
propinas, leis piratas... sobrepuja
tanto e mais não incluso de imediato

além do plágio e do afanar inventos.
Eis a faina dos anjos predadores.
Uns, excelências... outros são doutores...
Tantos: pinças de credos pestilentos.

Por questão de índoles – e não sofismo –
os seus iguais e esbirros sempre vão
elegendo essas lástimas solenes

que ungidas pelos antros do cinismo
tintam de vergonha a alma da nação
e a existência dos que herdam os seus genes.

No estacionamento da prefeitura - Sorocaba,  07-08-2001



 39 - LENDA DO ORVALHO


                                                             Deficientes visuais,
                                                     exemplos de perseverança 

                                                               e de amor à vida
Certa vez ia um bardo pela estrada...
Mas solta ao vento a poeira acre o fazia
fechar os olhos: “Ei, Santa Luzia!
– clama – Se és graça e luz, ó Santa aurada

por que me turvas o clarão do dia?”
Crê ouvir: “Filho, a treva é como escada
que elevando à visão diferenciada
faz ver o que teu olho não sentia.

Nesses instantes, em prisões visuais
enxerga algo entre o turvo breve e santo.”
Vendo o que vós, os cegos, superais

se era fausto sentindo-se pequeno
o poeta em honra a vós baixa seu manto
de lágrimas em noites de sereno.

Represa Xavantes, SP, maio de 2000 ou 2001



  40 -             O
                           Ao Dr Matias D. Milhan
Noite. Exausto, o tenaz jurisconsulto
Analisa um processo diferente.
Mas do fim de uma frase de repente
Salta o ponto e faz rir ao gênio culto.

Fixo no ar, sem ter membros esse vulto
Bisbilhota o jurista pela mente:
“Caro Mestre... olha-me! E me olhando sente
E dize enfim quem sou, onde me oculto.”

Ora! ainda que aturdido pela estafa
O douto – águia serena – então se safa
Compondo idéias simples que o farão


Ditar ao ponto: "Volve a teu normal!...
Que és cromossomo primo e extrema-unção
Na imensa Arquitetura Universal ”

03-9-2001



                   41 - REDENÇÃO

  Três! Três, os grandes poetas do Universo                       num só poema.
  O terceiro, quem pela primeira vez o declamou;
 o segundo, quem primeiro pôs-se a demonstrá-lo.

       Mas do primeiro poeta exalou inspiração
           ao tão pequeno e mais santo poema
                redenção da humanidade:
                                                        AMOR 
       

Às margens do Rio Araguaia – agosto-1999


                     42 - SAUDADE (haicai)


 Vem, chega e me invade
Com riso leve eu aliso
a mão da saudade... 

Às margens do Rio Paraguai - MT - agosto 2004

43 -         A CALHAR
                                    ( ler sem rir )
Se passas enrodilha-se a serpente!
Vexada, trava a língua tão medonha
Provada ser mais curta e incompetente
Do que a tua, ou morrendo de vergonha

A cobra vira flor se estás presente.
Tua índole perversa e chula sonha
Sempre em ter viva a farsa nessa mente
Lambuzada de assédios e peçonha.

Nem mais cobres a inveja e teu veneno!
E é tão mesquinho o teu agir sereno
Que mostra ser imune à correção.

No engodo desse riso inoportuno
Ensinas ao demônio, teu aluno,
Com rapina e traições! (Calhou, ou não?)
13-01-92

44 -     ENTRE O MAIS

Espinho, herói, escória ou funda rara
das nações... pouco importa! Que jamais
junto à eloqüência da expressão, a cara
e a argúcia não te faltem entre o mais,

nem a audácia se volte apenas para
romances e belezas naturais.
Íntegro, espelha o mundo! Vai... declara
sensato alinho aos bravos samurais

honrando sempre a livre Musa escrava.
Arroja sóis e a tua força valha
contra o infernal marasmo: astuta cava

a tudo que emporcalha, que deprime.
Vibra Verso-Herói – látego e navalha!
em teus misteres mostra-te sublime.
17-04-92

45 -                PILLOS

¿Qué decir de la esencia del dictado
Que entre sabios pensares mui sencillos
Nos previene del mundo de los pillos ?
¡Ah, sí! Si el dicho es vano al ebrio echado

A los broncos inocuo lo es también.
Sigue nulo si holgando, si a las tontas
Pagamos al ladrar de rimas prontas
Gañidas por muñecos de belén.

En poderes y tiendas, por tarea
Habrá siempre alguien que a nosotros vea
Necios ante su cântico enbustero.

¡ Pensad en el labor que os hierve y cansa!
Que los pillos se dan a vida mansa
A los sandios hurtandoles dinero...
21-01-2001

46 - EM 2007, O MESMO ZUMBI DE 1970
Dizia-o de um poder leve e irrestrito
Fiel e ressuscitador ao crente
Ao incrédulo, de ira intransigente
Amor a todos, seu maior quesito.

E assim pela TV ecoa o mito
Na voz do velho Espectro, a toda gente:
“A Santa Mãe - que sofre ! - a pobre sente
A dor do enfermo terminal, contrito.

Quando em penúria salvos sereis por
Lembrar-vos do Cordeiro a padecer.
No Pai fiel buscai o suave amor !”

Um Pai tão bom... Nau de ínclito poder
Que ao filho em súplicas na dor que porte
Deixa-o nas ondas da ilusão e morte.
14-02-2007

47 -      FILOSÓFICA

Por sua presunção santificada
- Em nívea laje liberal da imprensa –
Retine filosófica e áurea espada
Julgando-a divinal mordaz e densa:

“Ó poetas, tolos reis de harpa alienada
Sempre a mirar estrelas! Que compensa
As horas mortas em vulgar avença?”
— Ora! As estrelas, todas em florada

Ouvem
tudo que os poetas distraídos
Em textos claros sem ganhar ouvidos
Dizem às ruas, de hinos e escarcéus

Regidos por filósofos dos céus
No excelso estelionato contumaz:
Gerar desordem - na miséria, a paz.
19-02-1007

48 -     CAÇADOR DESPORTIVO

Na vida enquanto alguns em meio aos nossos
esmeram-se na prática do bem
outros, especialistas em destroços
matam para a Vaidade que os sustém.

Ah, vós, o Dez, preparador de fossos
Mestre dos falsos pios, floresta além!
Ao sadismo perverso, asseclas vossos
todos da mesma saga e hostes do amém,

cedem indulto e exaltam essa mente
dedicada a extermínios e pilhagens.
Mas tu, Vaidade - cetro deprimente ! -

por que incitas a tara do anormal
Atleta que destrói vidas selvagens
dentre as que nunca lhe fizeram mal?
04-03-07

49         BLINDADO e LIVRE
Bem mais que ao arrogante - o dedo em riste
E
ao charlatão – a voz em grande alarde
E ao canalha – o cinismo em que resiste
E ao porco agrada o lodo em que se encarde...

A um certo Delegado o elã consiste
Em vivenciar seu reino infeto e triste.
Sua índole corrupta jamais lhe arde
A sórdida consciência de covarde.

Desonrando o apanágio policial,
Transforma seu DP num lamaçal
Por blindado, não teme lance falho.

Protege e explora o crime em seu trabalho
Humilha até idosos por propina.
Mas e aos seus tais do Fórum? — Prata fina !
outubro – 2005

50 -            ESTRELAS
                             
Ei!... Não perdura o mal, que os maus instantes
Os dias os irão desvanecendo.
Não se faz longo o vendaval horrendo
Nem valem trovas sem finais sonantes.

Seja cada hora bem melhor que a de antes
Bem-vindo sempre o instante que trazendo
Idéias num insigth ou num remendo
Surte letras de assomos fecundantes.

Festas, prazeres, o alegrar-se em prosas
Forjam
nos céus constelações radiosas
Perpetuando lembranças e saudades.

Se vos dizem de amores e amizades
Então, Viventes, face ao que argumento
Fartai de estrelas o amplo firmamento...
31/03/07 


51 -    ATEUS PENSANTES

Libertos de fantasmas celestiais
e artimanhas das crenças estridentes
sois fulcros da razão e por demais
ferro à anemia histérica das mentes.

Nas buscas, nas análises prudentes
dos fatos e padrões universais
incansáveis, herméticos, buscais
recônditos das díspares sementes.

Contra a ira acre que os “justos” vos dirigem
– sem ilusões fantásticas, sem virgem
que almofadem os vossos ais discretos –

tendes não mais que a vós e os fiéis afetos
e o trabalho e a justiça pachorrenta
e os ardis em que o mundo se sustenta.

02-04-07 


52 -     MÃOS LIGEIRAS
Se a mentira é verdade decaída
E a doença - o nó cego da saúde;
Se delírios são gozo e mal na vida...
Ah os cépticos... centrados amiúde!

O cinismo é ausência de virtude
O adeus, instante ambíguo da partida.
Se ao mundo dei até o que não pude
Ah suplício... na rima de em seguida!

Esclarecia, o mestre de judô: “Em se
Tratando
de êxito corrupto põem-se
Em vale-tudo a cínica injustiça

Laureando mentes ladras, mãos ligeiras
Sobre pódios de areia movediça.”
Ah ganância... que excita varejeiras!
Sorocaba, 20-04-2007

53 -     SOU V. Exa., O SONETO
Singelo estrategista em forma tesa
Eis-me sumo aos templários da poesia.
Vede os longos discursos – ó pobreza ! -
Que em pouquíssimas letras eu diria

Em gáudio frente a critica indefesa.
Catorze linhas soltas? Eu? Amplia
O teu cabedal poético, Beleza!
Dupla quadra e tercetos, na ardentia

De austera métrica, compasso e rima
Me compõem. Quanto ao caos macunaíma
Do alto da perfeição aos sonetistas

Canto: — Ao belo jamais presteis socorro
Que ante a barbárie, vencerei, não morro
No estridor dos achaques modernistas.
20-05-2007

54 -                MEDO

Sob longas plumas de um azul-magenta
Matinal clarão surge... ascende e continua
Aceso em sua trajetória lenta.
Ao novo dia... põe-se a Esfera toda nua.
E enquanto o Sol às trevas se apresenta
No vão suspenso... ao Sol... vai se apagando a Lua.
— Fresco... cintila o aljôfar no gramado
— Plácido... acorda o bairro a fainas devotado.

Por magia conquanto não pareça
Nas ruas, pela aurora, a certos caminhantes
Toda cisma sensata ou inconfessa
Mais expedita aflora entre as dúvidas de antes.
Ainda que não me sondem a cabeça
As divas de um Bilac ou justas de Cervantes
Em muda caminhada agora cedo
Destilo a velha cisma eleita para o enredo.

E andando a cada passo me convenço:
O medo, esse espantalho às pretensões da morte
É o gênio da paz e do consenso
Frente ao crime, ante a guerra, embora em transe forte
Sem medo as hordas gerem clima tenso.
Se o medo de ter medo envolve a mão da sorte
Aos órfãos da coragem se argüiria:
Do medo da mãe salta e ruge o amor à cria.
04-05-2008

55 -             À GREI

Às vezes mordo e fujo do que sei
mordido penso o que diria à grei: –

Sucesso dos que seguem como certo:
Povo néscio ama e vota em rato esperto.

Mantém distância dos que são nariz
ouvido e olhar de confrarias vis

Os charlatães os demagogos esses
não vão além dos próprios interesses

A grudenta amizade do matreiro
visa apenas vantagens e dinheiro

Sê fonte de saberes para o bem
e bem orientes os que pouco têm

Lavrarás os teus campos para o nada
se usares de semente praguejada

Discerne hoje, constrói bom amanhã
diverso de existência triste e vã

Não conte firme o apoio que vier
de um homem dominado por mulher

Se ouvires jorro de água além da curva
segue... E passa se vires água turva
05-06-2009



56                 OFÍCIO
                               Ao morto não reclamado
Entre milhões de atletas fora-te renhida
a disparada perseguindo o trom da vida.
Venceste! E após estágio em útero materno
nasceste - atleta - inscrito no único caderno

da surpreendente maratona vivencial.
Correste os sonhos da consciência e no final
- como o diamante que decai fora do engaste -
findo o teu khronos solto e mísero tombaste.

Do que fizeste ou foste calo para o mundo.
Este momento de pesar se faz profundo
E doloroso por tua última passada.

Eis meu ofício em solidão imaculada
Para a Mãe Terra acalentar a rogos meus
teu corpo em santo caos, velado neste adeus.
Em 20-09-2010 – Às margens do Rio Paraguai,
Porto Murtinho - MS.


57                PARQUINHO

Vou passando... E na passagem pela vida
tantas coisas me vão chegando... e passam.
Com elas um dia também serei passado.
Cada evento cada paisagem
um sorvo de paixão.
Entro no elevador, me sorri tão candidamente
a idosa de cabelos azulados.
Abre-se a porta – que vejo? Uns, ridentes
outros não. O Office-boy muito apressado.
Sigo achando tudo interessante!
No restaurante de luxo uma desproporção.
Ingiro bem menos da variação mostrada.
Meu bolso ferrado geme a dor da jactância.


Tudo bem...

No escritório de um amigo, me apresentam
um manipulador. 
A criatura afronta-me a cabeça.
É sugando que enriquecem tão depressa.
O mar é bom. Entre peixes, alimenta 
medusas e moréias.


Mesmo assim que alegria vivenciar realidades!


À margem do rio: eu, duas laranjas
mais a paçoca e carne seca.
Um banquete! Mãos lavadas. Sob as unhas
a tarja preta - barro entreunhado.
Não dou a mínima! Tenho a fome
que me faz contente se consigo saciá-la.
Almoço como um rei contemplando
a majestade das águas passantes.
Deixo a canoa na praia do rio. Logo ali
um humilde casebre me desperta a sensibilidade.
Ninguém por perto. Parece-me ...
ah sim... ao longe ouço vozes.
Pela trilha vão chegando seis crianças e os pais.
Todos em andrajos. Um chuvaréu de risos!
Surpreende-me tanta alegria
vivida em precárias condições.
Me enternece o que vi e partilhei.


Em momentos vários assim... e por assim
que espetáculo viver!


Por onde quer que nos fundões eu tenha andado
sempre fui bem acolhido.
Me enlevo nas andanças
rodando horas e horas nas estradas.
Cada quilômetro uma existência.
Nos longos trajetos vivo várias vidas virtuais
volvidas às veias e ventos da viração.

Após cada curva de rio uma surpresa
um novo panorama.
Minha carteira magra... meu carro antigo e lento.
Sorte! Se rápido, me viria o tédio
de um Brasil muito apertado.
Amo os meus parentes.
Estimo e prezo os amigos leais,
morrendo de amores pelos falsos.


Divirto-me com minhas tralhas
sempre grato à cama em que repouso.

Ééééh... os anos têm me passado!
De manhã ao espelho, ouço das minhas ralas cãs
e dos avisos que no rosto me vão surgindo...
Aos poucos sigo ouvindo a Voz Materna:
— Vem filho meu! Já brincou por um bom tempo.
Vá se despedindo do parquinho.
Quanta saudade estou sentindo, meu amado...
Vem aos meus afagos, filho do meu ventre...
Volve à eternidade do meu colo!

Enxugo o rosto olhando-me no espelho.
Ainda com tanto apego às diversões
penso em respondê-la mentalmente:
— Per’ aí Mãe! Já vou! Só mais um pouquinho...
Mais umas tantas pedradas dos teus em minhas costas
só mais umas 300.3  idas para o encanto dos meus rios.
D’aí eu volto. Tá bão? Um beiiiiijo Mãe! ... ... ...